Educação nos países BRIC: entre desafios e diálogos

por Harlon Romariz

  O início do século XXI foi marcado por um amadurecimento de uma série de mudanças e movimentos geopolíticos e econômicos que vinham ocorrendo nas últimas duas décadas, colocando novos atores e tencionando por um multilateralismo. Os EUA começam a diminuir seu protagonismo tanto nas relações internacionais como na economia. Um conjunto de países demonstra compartilhar características econômicas e sociais. Nomeados emergentes, esses países agem para organizar a política econômica e a geopolítica a seu favor. Jim O’Niell vai cunhar o termo em 2001 – BRICs ou BRIC countries – e nomeando esse processo que continuou como aproximação estratégica e programática entre China, Rússia, Índia e Brasil, mais recentemente a África do Sul, e, considera-se que países como a Turquia ou o México poderiam estar nesse grupo.
  Michael Spence (2011), prêmio Nobel em economia, considera que mesmo com as crises financeiras e fiscais de 2008 e 2010, essas economias tem grandes chances de continuar crescendo e de aumentar o seu PIB per capita, o que impactará na composição e estratificação social desses países. Esse quadro de desafios e perspectivas de futuro motivou tais países à uma série de ações coordenadas de discussão, mútuo apoio técnico, criação de instituições como o Banco dos BRICS, entre outras operações. No âmbito da academia e da sociedade civil, diversas iniciativas foram empreendidas para se compreender esses países e os seus desafios comuns para o futuro. O livro Handbook on social stratification in the BRIC countries é uma dessas iniciativas que buscam estabelecer mútua compreensão, no caso específico, na área das ciências sociais. Além disso, esse livro e congêneres acabam por estimular uma agenda de estudos sobre a realidade desses países, em vários campos de pesquisa. Países esses que apresentam contextos históricos e sociais bastantes distintos.

Sobre a educação nos BRIC

  A educação, especificamente a educação escolar, é um processo social fruto da tentativa moderna de formar e capacitar os novos indivíduos a viverem em sociedade e para contribuírem economicamente com o futuro próximo (DURKHEIM, 2009). Após o avanço da industrialização e da economia informacional, o conhecimento e a educação se tornaram fatores chaves para o sucesso econômico. Theodore Schultz (1973a, 1973b) demonstrou que o capital humano é uma das variáveis centrais para explicar o crescimento econômico, sobretudo após a segunda guerra mundial, e que hoje, é esse capital o elemento de diferenciação competitiva central ante um mercado internacional fortemente concorrencial.
  Diante disso, é esperado que iniciativas, tanto da parte dos governos, quanto da academia e comunidade científica, se interessem pela temática da educação e considere o assunto como indispensável numa discussão sobre as sociedades BRIC e seu futuro social e econômico. A educação nesses países, ao serem entendidas junto aos seus processos históricos e econômicos específicos, é profundamente marcada pela (I) estratificação escolar, (II) baixa qualidade em geral e (III) dificuldades para o acesso universal em todos os níveis de ensino. A UNESCO (2014, p. 10-12), em relatório sobre a educação nos BRICs considerou:

Desigualdades sociais amplas e, muitas vezes, em expansão nos países BRICS refletem-se em desigualdades em todos os níveis educacionais. Famílias pobres lutam para alimentar seus filhos, o que resulta em desnutrição crônica durante os primeiros anos das crianças e causa prejuízos à sua capacidade de aprendizagem para o resto da vida. Todos os BRICS reconhecem que devem melhorar de forma significativa a qualidade da educação, se pretendem que os alunos tenham sucesso na vida e no trabalho, bem como sejam capazes de contribuir de forma positiva para a economia. Em alguns países, as reformas econômicas, a descentralização e a privatização da educação resultaram em profundas disparidades entre as escolas, um contexto em que as crianças mais pobres são as que mais sofrem com a escolaridade de baixa qualidade. Apesar da grande expansão experimentada nos últimos anos, apenas um em cada cinco jovens na Índia, e cerca de um em cada quatro na China, têm acesso ao ensino superior. O acesso a programas de desenvolvimento de habilidades também é limitado, especialmente para jovens e adultos analfabetos, cujos números ainda são elevados em alguns países, especialmente na Índia. As instituições formais de formação e educação profissional (FEP) – muitas vezes de má qualidade – registram matrículas de uma porcentagem muito baixa de alunos do ensino secundário no Brasil, na Índia e na África do Sul. […] A persistência da carência de educação faz com que uma grande parcela de jovens e adultos tenha poucas habilidades, o que enfraquece suas perspectivas de emprego, especialmente nos setores de maior produtividade, os quais oferecem melhores salários.

  Os dados gerais apresentados no Quadro 01[1] mostram que o conjunto dos países BRIC são representativos em termos globais no que tange a economia e demografia, no entanto, apresentam índices de desigualdades social e regional muito latentes. Essa situação é um contexto necessário para a compreensão da situação da educação nesses países, que vai refletir a estrutura social e os processos históricos. Diferentemente de Brasil e Rússia, Índia e China apresentam níveis de urbanização e PIB per capita ainda muito baixos, essa situação vai refletir fortemente sobre o tipo de desigualdade educacional nesses países. Índia e China possuem um forte educacional gap entre regiões e áreas urbanas e rurais.

Quadro 01- Principais desafios educacionais entre os países BRIC

Fonte: Elaboração própria a partir PEILIN. et al. (2013) e BRICS (2015).
Notas: NSE: Nível Socioeconômico. 1: Em 2013. 2: Média entre população urbana e rural, dados 2011-2012.

  Na Índia, em específico, essas diferenças regionais se relacionam com os processos de diferenciação religiosa, étnica e de gênero, fazendo com que as mulheres e pessoas de etnias historicamente deslegitimadas tenham menor acesso à educação e por consequência à mobilidade social, somado a isso, tem-se uma desigualdade regional muito forte e uma baixa taxa de urbanização, que está conectado ao tipo de processo de colonização.
  A China possui uma mobilidade geográfica reduzida, tendo em vista o controle estatal a partir do sistema de registro de residência. Além disso, o processo de desenvolvimento econômico chinês é bastante diferenciado entre áreas rurais e urbanas, em geral, entre o oeste e leste chinês. Esse contexto econômico-geográfico impacta nas perspectivas estudantis e de mobilidade social. O Quadro 01 ajuda a visualizar de forma breve e inicial a força das condicionantes históricas e geográficas desses dos grandes países asiáticos, em especial, na forma como é ofertada a educação e o seu acesso, que tem estreita relação como está estruturada as diferenças e desigualdades sociais gerais de um país (DUBET, DURU-BELLAT, VÉRÉTOUT, 2012).
  Rússia e Brasil por sua vez, possuem um PIB per capita melhor, uma taxa de urbanização maior, no entanto, tais países ainda possuem certas desigualdades regionais, sobretudo na Rússia. Nesses países, dependentes economicamente de seus recursos naturais – combustíveis fósseis na Rússia e agropecuária e minério no Brasil – a diferenciação econômica é menor, com um passivo industrial significativo, sobretudo em vista os modos de produção industrial altamente tecnológica. O investimento em capital humano ainda é baixo e grande parte da população desses países acessa de forma muito desigual e com baixa qualidade os serviços de educação. O nível socioeconômico das famílias é determinante para se obter maior educação e a mobilidade social é reduzida vistas essas desigualdades sociais e educacionais. No Brasil, em específico, a qualidade do ensino é um problema, sobretudo após décadas de 1980 e 1990, com os processos de universalização do acesso. No entanto, existem deficiências no acesso ao ensino secundário e terciário, sobretudo por causa das perspectivas individuais frente a uma economia flutuante e muito dependente dos setores primários e de serviços.
  Do ponto de vista do aprendizado e desempenho educacional desses países, tem-se apenas, de forma confiável, abrangente e minimamente comparável os dados do Programme for International Student Assessment (PISA) da Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD). A China destoa, apresentando resultados acima da média da OCDE porque a prova é aplicada apenas algumas de suas regiões do seu leste urbanizado e desenvolvido, o que acentua o argumento da abissal desigualdade entre o urbano e o rural na China. Rússia apresenta resultados próximos da média da OCDE, mas assim como o Brasil, possui um considerável contingente, sobretudo na educação secundária e terciária, fora da escola.

Figura 01 – Desempenho médio em ciência, leitura e matemática pelo PISA/OECD 2015

Fonte: Elaboração própria a partir do PISA 2015.
Nota: Apresenta-se para a China a média entre Macao, Hong Kong, Beijing, Shanghai, Jiangsu e Guangdong.

  O Brasil apresenta resultados muito baixos, nas três áreas avaliadas, o que representa um entrave significativo para uma diferenciação econômica e crescimento sustentável a longo prazo, sobretudo em uma economia baseada no conhecimento. Em todos esses países tem-se ilhas de excelência, como é o caso da rede federal e de algumas redes privadas de ensino médio no Brasil (COSTA; KOSLINSKI, 2012), o que diante do dado geral, apenas reforça o argumento da forte desigualdade de acesso, tipo de acesso e qualidade da educação.
  O crescimento econômico desses países não irá se sustentar a longo prazo sem uma inclusão eficiente de suas grandes massas populacionais nos circuitos da educação e do trabalho. Essa inclusão é base e pressuposto para a manutenção de uma economia mais pulsante e organizada socialmente, para sustentar os processos produtivos contemporâneos que requerem alto investimento em capital humano, capital informacional, tecnologia e conhecimento em geral.

Desafios para uma agenda de pesquisa comum sobre educação

  Visto essa conjuntura de cooperação e aproximação entre os países BRIC, fica estabelecida uma agenda mútua pela compreensão das relações sociais, dos processos históricos e das condicionais geográficas e econômicas de cada um desses países. É necessário um corpo de pesquisa multinacional que empreendam pesquisas que sejam pensadas de forma integrada desde a concepção, passando por projetos de pesquisas alinhados e metodologias contextualizadas, com perspectivas teóricas definidas previamente, instrumentos padrões e relatórios contextualizados.
  Na área de estudos sobre a educação, é muito importante todo um esforço por contextualizar processos e realidades institucionais que são diferentes, mas altamente impactantes sobre o campo da educação. No mundo moderno a educação formal é sobretudo ofertada pelo Estado, e a forma como cada Estado nacional propõe e gesta a educação acaba por ser assunto central na análise da realidade educacional.
  Além disso, é possível propor um avanço também teórico dessa ciência inter BRIC. Ao se ultrapassar, no campo acadêmico, de interesses pragmáticos e de curto prazo, pode-se ter uma elaboração teórica e de cunho interpretativo que garanta a eficiência da tradução dessa realidade compartilhada – ou não – pelos países BRIC. Toda a circulação de materiais acadêmicos, literatura e idiomas podem também ajudar nesse movimento de aproximação entre os universos de países com passados tão distintos, mas que, pelos caminhos da modernidade, acabaram por se encontrar nesse momento da história em que se situam, de alguma forma, análogos. Dentre os muitos desafios desses países, a melhoria e ampliação da educação é uma condição para um futuro estável.

Referências

BRICS Joint Statistical Publication:2015; Brazil, Russia, India, China, South Africa. Moscow: Rosstat, 2015. Disponível em: <https://brics.ibge.gov.br>. Acesso em: 21 out. 2018.

COSTA, Márcio; KOSLINSKI, Mariane. Escolha, estratégia e competição por escolas públicas. Pro-Posições, v. 23, n. 2, p. 195-213. 2012.

DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. Lisboa: Edições 70, 2009.

DUBET, François; DURU-BELLAT, Marie; VÉRÉTOUT, Antoine. As desigualdades escolares antes e depois da escola: organização escolar e influência dos diplomas. Sociologias, v. 14, n. 29, p. 22-70. 2012.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA. BRICS: construir a educação para o futuro. Paris: UNESCO, 2014.

SPENCE, Michael. Os desafios do futuro da economia: o crescimento econômico mundial nos países emergentes e desenvolvidos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. PISA 2015: results focus. Paris: OECD, 2018.

PEILIN, Li. et al. (Orgs.). Handbook on social stratification in the BRICs countries: change and perspective. Singapura: World Scientific, 2013.


Notas

[1] Elaborado a partir de uma análise geral dos dados sociodemográficos desses países e da seção sobre educação dos materiais referenciados.


Como citar este texto?

SANTOS, Harlon Romariz Rabelo. Educação nos países BRIC: entre desafios e diálogos. Blog Observare: 2019. Disponível em: https://observare.slg.br/educacao-nos-paises-bric-entre-desafios-e-dialogos/. Acesso em: dia mês abreviado. ano.

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