por Harlon Romariz
É na modernidade que se chega a compreensão de que a realidade material é a base da existência e que a projeção de um plano metafísico é demasiado improvável. O avanço compreensivo e explicativo sobre a natureza permitiu perceber que a realidade não possui um sentido inerente e que, portanto, todas as proposições de teleologia são projeções imaginativas humanas.
Na filosofia e na ciência, Nietzsche e Max Weber, respectivamente, elaboraram de forma magistral argumentos que demonstram que toda a história e atividades humanas não possuem um sentido último. Eles, entre muitos outros, viraram a página na história, negando o idealismo e rompendo com a noção de força motora transcendental de Hegel. A ideia de um fluxo histórico humano era calcada em pressupostos metafísicos e religiosos e Weber inaugura uma nova forma de pensar a realidade, tornando-se fundador de uma ciência da sociedade que buscava na realidade empírica o material dessa ciência. Kalberg (2010, p. 19) lembra que
“Os estudos de Max Weber contrariam de forma direta essas ideias dos séculos XVII, XVIII, XIX. Sua sociologia formalizou um novo posicionamento para a espécie humana, em firme oposição à ideia de que a história possuía algum sentido independente: as pessoas agora existiam como autoras inequívocas de seus destinos e como centro e causa de suas atividades”.
Assim, não só se abre caminho para a elaboração de um conhecimento embasado na realidade como se estabelece um novo paradigma humano, que parte agora do pressuposto de que a matéria (ou o átomo) não possui valores ou sentidos incorporados. Weber afirmava que “o tipo de ciência social em que estamos interessados é uma ciência empírica da realidade concreta” (cf. The Methodology of the Social Science, p. 72). Matar qualquer plano metafísico, como fez Nietzsche, foi uma atitude que deixou aos homens, no nível social e político, a decisão sobre os valores e sentidos comuns a serem, agora, construídos, e não mais impostos por uma narrativa exterior, como foi imposto à Galileu Galilei, por exemplo.
No entanto, a superação desse pensamento teleológico nunca se deu por completo. Em diversos setores da sociedade moderna permanecem os resquícios de um apego à metafísicas, entre elas a religião. A perspectiva laica e secular ainda se mantém forte, até porque há uma eminente necessidade de se suportar a diversidade humana, mas não é nem de longe uma perspectiva generalizante. Mas grave ainda são tentativas de se encontrar sentidos e valores na ciência. Kalberg (2010, p. 23) lembra que “Weber advertiu com veemência e de forma insistente que todas as tentativas de construir valores a partir da ciência deviam ser vistas agora como ilusórias. É preciso abandonar essas crenças ilusórias na nova era pós-religiosa e pós-quase-religiosa.”. Em várias ciências-fronteiras, como na antropologia e na física, há, vezes outras, tentativas de se construir narrativas teleológicas, buscando estabelecer versões que deem certo sentido e direção à matéria, negando assim o pressuposto fundamental de que a existência se resume a realidade material e que o mundo físico não carrega inerentemente nem vontades, nem valores, nem sentidos. Desse modo, tentar considerar o Big Ben como ato divino ou dizer que a cultura humana é algo compartilhada por plantas e animais num grande escopo cosmológico são proposições não científicas, não modernas e que buscam conceber uma narrativa metafísica já superada. Por mais difícil que seja, construamos nós os sentidos e valores.
REFERÊNCIAS
KALBERG, Stephen. Max Weber: uma introdução. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
Como citar este texto:
SANTOS, Harlon. Construamos nós os sentidos e valores. Blog Observare: 2018. Disponível em: https://observare.slg.br/construamos-nos-os-sentidos-e-valores. Acesso em: dia mês abreviado. ano.