O texto segue prosseguindo com o destrinchar das classes sociais no Brasil e América Latina. Sua tese principal, apresentada na seminal obra “Revolução Burguesa no Brasil”, que é neste texto retomada, implica em reconhecer que houve um processo de acomodação da modernidade e do capitalismo às formas autocráticas características da dimensão privada da vida pública, marca do Brasil colonial
e que se arrasta pela história. Essa acomodação se fez pela tentativa de manutenção de privilégios frente a modernização da sociedade e economia, e frente ao aumento progressivo do poder público, sobretudo federal. Fernandes (1911, 1981) coloca que um conjunto de relações (alianças, entradas, acordos) foram estabelecidas entre a elite e a dimensão pública o que implicou na manutenção dos privilégios dessas elites frente ao processo concorrencial do capitalismo e aos processos de estatização (modernização da sociedade). O foco por ele colocado: “O que é importante, nesse quadro geral, é a tendência predominante a preservar o superprivilegiamento de classe, apesar (ou através) da constante reformulação constitucional das relações autocráticas e autoritárias” (FERNANDES, 1977, p. 232).
Florestan chega ao final do texto, inclusive, apresentando possibilidades de saídas, e ao mesmo tempo os possíveis problemas na resolução dessa grande questão. Três vias se colocam: (I) aumentar o nível de integração e dependência com as economias e países hegemônicos; (II) promover a disseminação de privilégios, aumento da renda das classes baixas e ações pontuais de distribuição de capitais;(III) revolução contra a ordem, explosão popular. Ele critica e apresenta problemas com as vias I e II, restando-lhe afirmar que a terceira via teria a fulcral vantagem de “ruptura total com os fatores e efeitos da dependência e do subdesenvolvimento, sob o capitalismo e a sociedade de classes” (FERNANDES, 1977, p. 229). Ele conclui “é a única via efetivamente capaz de superar a dependência e o subdesenvolvimento, convertendo-os em ‘desafio histórico’ e em fonte de solidariedade humana na luta pela modernização autônoma e por uma ordem social igualitária” (FERNANDES, 1977, p. 229). Obviamente, diante da densidade e larga produção de Florestan, outras interpretações possíveis de resolução do problema da burguesia autocrática e do superprivilegiamento podem ser gestadas e por fim praticadas, o que mantém o debate em aberto. Ademais, a ruptura total, utopicamente orientada, não guarda precedentes históricos para esse tipo na história brasileira e/ou latino-americana.
O pensamento de Florestan apresenta-se como extremamente fecundo e sua análise científica e não-ensaísta garante que suas percepções e análises permaneçam válidas ao debate atual. As contribuições científicas dele, bem como sua participação política, reverberam na forma de compreensão do Brasil atual.
Notas
[1] Conferir os potentados apresentados por Oliveira Viana e a reflexão de Victor Nunes Leal sobre a municipalidade sob domínio familiar e posteriormente sob os coronéis no capítulo 2 da obra Coronelismo, Enxada e Voto.
Referências
FERNANDES, Florestan. Problemas de conceituação das classes sociais na América Latina. In.: ZETENO, Raúl. As classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
Como citar este texto:
SANTOS, Harlon Romariz Rabelo. Conceituação de classes sociais na América Latina em Florestan Fernandes. Blog Observare: 2020. Disponível em: https://observare.slg.br/classes-sociais-na-america-latina-em-florestan-fernandes/. Acesso em: dia mês abreviado. ano.
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