Comentários sobre a Introdução do Livro “A Sociologia e o Mundo Moderno”

IANNI, Octavio. A sociologia e o mundo moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

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         A obra póstuma do professor Octavio Ianni, “A Sociologia e o Mundo Moderno”, que foi publicado em 2011 pela Editora Civilização Brasileira, traz como introdução um texto de uma aula inaugural proferida no dia 19 de março de 1988 para os alunos do curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo, também já publicado na Revista Tempo Social em 1989, volume 1. Nesse texto Ianni traz vários conceitos e retornos dentre eles o próprio conceito de sociologia e modernidade, dentro de sua já conhecida ótica marxista. A guisa de introdução, o texto vai dar linhas gerais sobre esses conceitos que aqui serão sintetizados ou brevemente apresentados, e ao fim acrescentado de alguns comentários pontuais.

         Ianni faz um levantamento histórico, breve, mas muito interessante da sociologia, do pensamento filosófico desde o século XVIII que marcou o pensamento europeu e por consequência o mundo. Esse levantamento apresenta correntes filosóficas, e escolas de pensamento que influenciaram o fazer sociológico e seus grandes autores. Essa síntese compreensiva sobre a sociologia e a modernidade, por ele elaborada, gera, a priori, o que ele chama de “três polarizações fundamentais” na sociologia, sendo estes “três princípios explicativos” a causação funcional, conexão do sentido e contradição. 

“O princípio da causação funcional está presente em Spencer, Comte, Durkheim, Parsons, Merton, Touraine e outros. O da conexão de sentido inspira Dilthey, Rickert, Weber, Toennies, Nisbet e outros. E o da contradição fundamenta as contribuições de Marx, Engels, Lenin, Trotsky, Rosa Luxemburgo, Lukacs, Gramsci, Goldmann e outros. É claro que as produções sociológicas desses e outros autores não se inspiram nesses princípios de uma forma exclusiva, fechada.” (IANNI, 2011, p, 14, grifo nosso)

          Ele vai ao longo do texto se mostrando filiado mais ao princípio da contradição e vai elaborar seu conceito de sociedade moderna, bem como o seu entender sobre a sociologia a partir dos desdobramentos que essa polarização vai causar à disciplina e ao mundo. Ianni começa então, de forma bem gradativa e inteligente, a dar início à uma série de reflexões sobre questões epistemológicas, metodológicas, históricas, vai construir e centralizar o conceito de revolução e multidão e então “sugerir como o pensamento sociológico e a sociedade moderna são contemporâneos, nos seus contrapontos e desencontros” (IANNI, 2011, p. 19). Ianni percebe a sociologia engajada no mundo, em especial no mundo moderno, como dois fenômenos que se provocam mutualmente. Ele consegue fazer um convincente resgate histórico e conceitual, mostrando o engajamento e a dependência da sociologia em relação a sociedade circundante. Para Ianni (2011, p. 22) “o que está em causa, fundamentalmente, é a questão social que irrompe no horizonte da sociedade moderna […]” e sua visão marxista permite continuar dizendo “[…] de seus governantes, os que detém os meios materiais e espirituais de controle das instituições sociais. As mais diversas manifestações populares, na cidade e no campo, revelam aspectos sociais, econômicos, políticos, religiosos, culturais e outros da questão nacional” (IANNI, 2011, p. 22)

          A partir de então Octavio Ianni começa a clarear de forma mais específica de que sociologia ele pensa e de como essa sociologia está engajada no mundo ou na sociedade moderna que ele confere. Ianni vê as grandes questões do mundo moderno sob a ótica das lutas de classes, a partir da análise que percebe todas as relações como fruto da inescapável disputa pelos meios materiais que vão determinar e estruturar toda uma sociedade, perpassando por tudo que uma sociedade cria, desde à religião até a mídia, entre outros, onde “Marx é o autor clássico dessa análise” (IANNI, 2011, p. 24). Ianni pretende dar à sociologia um status daquilo que poderíamos chamar de sociologia marxista, quando ele diz que “uma primeira corrente da sociologia lida com a ideia de massa” (IANNI, 2011, p. 23) e depois com a ideia de povo e classe. Ao fazer isso ele limita o que seria sociologia, ou deixa de considerar percepções e correntes que foram marcantes e fundantes na disciplina. A ideia de massa, povo e classe dentro de uma progressão compreensiva sobre essas coletividades são na verdade um recorte, por mais importante que seja, que não consegue dar conta das múltiplas ideias que ocuparam os autores da sociologia desde seu início. Por mais que a “ideia de sociologia [seja] contemporânea à de modernidade” (IANNI, 2011, p. 24), modernidade essa encantada e incansável, e que toda a efusão do mundo moderno tenha sido determinante sobre o fazer sociológico, a sociologia vai além de uma perspectiva marxista ou a ele aproximada pelos seus métodos, pela percepção de estruturas e determinantes, como em Durkheim. José Paulo Netto é muito feliz em perceber como a teoria social de Marx é muito engajada e contextualizada em seu tempo e que há um “pressuposto histórico-social que viabilizou o desenvolvimento da reflexão de Marx” (NETTO, 1994, p. 6). Engajamento que Ianni também percebe, mas numa relação muita mais profunda e ao final otimista. É nítido que para Ianni “a sociologia e a modernidade surgem na mesma época, na mesma idade” (IANNI, p. 27), uma sociologia engajada que procura “desvendar o modo pelo qual o homem, Deus e o Diabo se encontram no meio do redemoinho” (IANNI, p. 29) um empenho sociológico que busca revelar, “compreender, interpretar, taquigrafar, ordenar, controlar, dinamizar ou exorcizar esse mundo”, tarefas enormes, que precisam de análises e métodos à altura, que reconhecem uma “força maior […] uma espécie de páthos assustador e fascinante” que para Ianni vai ser percebido e desvendado pelo reconhecimento de elementos como “o poder, a ordem, o progresso, o racional, o irracional, a anomia, a alienação, a ideologia, a utopia, a revolução, a contrarrevolução” (2011, p. 30).

         Apesar de Ianni ressalvar as múltiplas possibilidades que tencionam essa noção de força maior, mesmo que num pequeno parágrafo, logo retorna e faz uma singular analogia ao metaforizar com a mitologia, quando diz que “Na comunidade grega, os deuses comandam o destino dos homens, incutindo-lhes o mistério do páthos. Na sociedade burguesa, a luta pelo poder comanda o destino dos homens, incutindo-lhes o mistério do páthos. É o que está em causa, quando a sociologia procura apanhar as transformações e crises, épocas e impasses do mundo moderno, da modernidade” (IANNI, 2011, p. 30)

         Ao final Ianni, neste curto, mas denso texto, vai dar uma dimensão épica para sua conclusão. Ele usa novamente da mitologia, agora com a figura do Prometeu que fica acorrentado quando desobedece ordens de Zeus por ter restituído o fogo à humanidade, mas que depois é libertado por Hércules. Para Ianni, Weber é o Prometeu Acorrentado que vaga em suas análises sobre o mundo moderno, extraviado, perdido e solitário no que ele chama de labirinto do mundo moderno. E Marx, como já era de se imaginar, é para Ianni o profeta iluminado, o mais clássico dos profetas.

         E aqui fica uma questão final, e talvez épica: existe realmente esse páthos assustador e essa força maior de que fala Ianni? Há uma alternativa de ver o mundo, não somente o mundo moderno, como um lugar muito mais complexo e profundo que escapa a qualquer tentativa de percebê-lo de forma não particularizada, uma tentativa otimista que enviesa o ato de compreender e que cria a ideia de destino, metanarrativas profetizadas que surgem no fulgor de uma realidade tão triste e dura. Marx é na verdade o Prometeu acorrentado que tentou levar luz à humanidade, quando na verdade não há luz suficiente que possa dar conta da pluralidade, complexidade e da profundeza que é esse mundo, como um poço infinito e escuro. Ianni e outros são os Hércules que tentam em suas últimas forças dar ressignificações ao mundo a partir da sociologia, mas por meio de uma sociologia engajada, marxista e estruturante, que vê em todo lugar essa força maior ou esse páthos. Nessa analogia não há espaço para uma inversão, uma vez que Weber não poderia ser profeta, porque profeta quer ver além do que a realidade permiti. Conjecturas futuristas e previsões fazem parte daquilo que há de mais distante do fazer sociológico, uma sociologia que deve ser humilde e consciente, que ultrapasse a sociedade que a formou, supere o mundo moderno e boa parte dos pensamentos que marcaram esse período e que ainda marcam as formas de discursar sobre o mundo, mundo esse que dificilmente deixará de estar acompanhado pela barbárie. O orgulho do mundo moderno de tudo tentar destrinchar, contaminou a sociologia, esta que tenta desvelar o mundo moderno. Tentativa esta que pode ser superada pela humildade e pelo reconhecimento de que estar vago, extraviado, perdido e solitário já não é algo de tão pouca importância quando se estar em um labirinto sem fim, em uma história sem fim, em uma multicausalidade extremamente complexa e conflituosa, assustadora e empolgante.

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REFERÊNCIAS

 IANNI, Octavio. A sociologia e o mundo moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

NETTO, José Paulo. O que é marxismo. São Paulo: Brasiliense, 1994.

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