A sociologia de Norbert Elias por Nathalie Heinich

por Harlon Romariz

  Nathalie Heinich apresenta em seu livro A sociologia de Norbert Elias, de forma clara e contextual aquilo que considera ser o modelo sociológico de interpretação de Norbert Elias. No primeiro capítulo ela se detém a obra e ao conceito seminal de Elias que é o Processo Civilizador. Nathalie Heinich é uma socióloga francesa especializada em sociologia da arte, formou-se na conceituada École des hautes études en sciences sociales, foi orientada por Pierre Bourdieu no doutorado e trabalhou no Centro Nacional de Pesquisa Científica. Seu interesse por Elias é evidente, inclusive por sua área de pesquisa, e sua análise demonstra um singular conhecimento sobre o autor.

  Um dos primeiros destaques que a autora faz é que em Elias as funções naturais são totalmente modeladas pelo contexto histórico, cultural e social e que os costumes são indissociáveis da evolução ou construção psíquica das sensibilidades, que também tem a ver com o âmbito das macros figurações sociais. Isso se dá frente a um processo imbricado de configurações sociais e configurações individuais que são semelhantes em certo nível. Ela aponta para uma relação elisiana entre a sociogênese e psicogênese em que se evidenciam tais relações quando percebido o fato de que os indivíduos percorrerem – em grande medida – o aprendizado que a sociedade percorreu.

  Dessa forma é que Elias vai relacionar o processo de formação do Estado ao processo de autocontrole nas sociedades modernas. Elias resgata os meandros e tensões em torno da formação dos Estados. O ocidente medieval era marcado por uma grande quantidade de unidades políticas, pequenos feudos e reinos a disputar o domínio, sobretudo territorial. No entanto, tem-se no seio europeu os processos de unificação e centralização econômica, política e simbólica. O período Absolutista marca o fim de uma dinâmica descentralizada de poder, quase-anárquica, para um poder real central. É nesse contexto que Elias identifica a gênese do processo civilizador e dos costumes modernos.

  Heinich mostra como Elias vai reconstruir a narrativa do processo civilizador pela sociogênese do Estado. Elias atenta para o agora monopólio fiscal e do uso legítimo da violência, o que garante a existência e permanência de um domínio social e político inaugural, que é o Estado Moderno. Esse estado agora formado, torna-se complexo, ou seja, passa a agregar inúmeros interesses e relações de poder. Os aparelhos do monopólio do domínio agora é que são disputados em vez do domínio em si, sobretudo territorial, como era antes.

  Assim, temos uma situação de relações de interesses e crenças que disputam o poder dentro do Estado, ficando ressaltado assim que existe uma interdependência fundadora desse novo momento social. Segundo Heinich, a interdependência vai se tornar conceito central em Elias e ela mesma aponta para a leitura weberiana que Elias apresenta aqui. O conceito de dominação em Weber requer, desde o início, uma relação, que é a de mando e obediência mutuamente reconhecidas, e a sua percepção de Estado é a de um centro de poder disputado pelos diversos grupos de interesses, classes e pensamentos políticos divergentes, ou seja, um equilíbrio de tensões, que será outro conceito chave em Elias, e provavelmente, de influência de Max Weber, seu compatriota.

  Heinich apresenta as considerações que Elias faz para pensar o processo civilizador a partir da figura do Rei numa correlação de forças e assim pensar de forma mais pontual os costumes e comportamentos associados a esse processo civilizador. Elias mostra que os métodos de competição para influência no poder começam a ser requintados, e a violência, antes generalizada, passa a ser contida. Estabelece-se um jogo complexo de pressões, tanto da aristocracia, quanto da ascendente burguesia. Tem-se então, segundo Elias, a passagem social para o autoconstrangimento individual. Um controle das emoções e pulsões que impedem a violência contra a unidade de poder evidente, no caso o rei, mas que vai se reproduzindo como um modus operandi para os mais diversos níveis de poderes, seja na relação empregado-empregador, membros-chefe da família, quanto nas mais diversas outras formas de relação entre indivíduos.

  É importante destacar a presteza da autora em lembrar que para Elias esse processo civilizacional não é um processo teleológico, o que não exclui, obviamente, a realidade de uma estruturação que se forma, de uma ordem em gestação que se generaliza. É dessa forma que ela também contextualiza algumas críticas existentes em relação a teoria elisiana. Ela chama de paradoxos, que seriam questões macros a serem enfrentadas por Elias: distância e proximidade; identidade reduzida à aparência; superioridade na submissão, etiqueta como instrumento da distinção. Esse conjunto de críticas leva também ao caso Francês, em que ela destaca certa singularidade pela existência de um desequilíbrio na repartição do poder e disparidade entre estrato social e poder social, corpo institucional rígido do Ancien Regime. Heinich levanta algumas outras críticas feitas ao trabalho de Elias, mas sem deixar de defendê-lo e contextualizar tais observações. Como a questão de uma pretensa extensão espacial e temporal do modelo elisiano, onde ela pontua que Elias considerava que o processo civilizador não se deu da mesma maneira em todos os lugares e que esse não é um processo linear nem evolutivo. Apesar de tais críticas e do tipo de material empírico muitas vezes não ser claro quanto ao seu objetivo (descritivo ou prescritivo?) sua criatividade e construção teórico-empírica é singular e marcante para as ciências humanas.

  Heinich apresenta essa primeira reflexão sobre o Processo Civilizador em Elias de forma clara, bastante consciente e com uma textualidade fluída. Um texto que aliada a leitura dos próprios textos de Elias ajuda a construir uma visão relacional maior da produção desse grande sociólogo alemão.


Referências

HEINICH, Nathalie. A sociologia de Norbert Elias. Lisboa: Temas e Debates, 2001.


Como citar este texto:

SANTOS, Harlon Romariz Rabelo. A sociologia de Norbert Elias por Nathalie Heinich. Blog Observare: 2020. Disponível em: https://observare.slg.br/sociologia-de-norbert-elias-por-nathalie-heinich/. Acesso em: dia mês abreviado. ano.

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