Resenha do livro: “Aprender Antropologia”

LAPLATINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2007.

               O livro Aprender Antropologia apresenta-se como um material de introdução à disciplina de Antropologia, em especial para aqueles que iniciam na carreira acadêmica e que estão dispostos a empreender no fazer antropológico e na vontade de conhecer o homem como um todo e o homem em sua diversidade.

               François Laplatine nasceu em 11 de fevereiro de 1943, é um pesquisador francês com certo renome internacional, especialista em etnopsiquiatria ou etnopsicanálise. Laplatine tornou-se um antropólogo influente na contemporaneidade dentro de sua área, recebeu vários prêmios estabeleceu relações proveitosas com o Brasil, em particular com o nordeste.

               O livro Aprender Antropologia é organizado em Prefácio pela professora Maria Isaura, Introdução e Três Partes temáticas. Essas partes são: (I) Marcos para uma história do pensamento antropológico; (II) As principais tendências do pensamento antropológico contemporâneo; e (III) A especificidade da prática antropológica. O livro soma, junto com a Bibliografia, duzentas e uma páginas e surge como um material rico em classificações, apresentações, panoramas e discussões iniciais das principais características metodológicas e dos marcos históricos da Antropologia, e tenta também fazer um survey daquelas que seriam as Escolas do pensamento antropológico, que marcaram a trajetória da disciplina desde de seu embrião com as grandes viagens marítimas e com os primeiros antropólogos do período clássico até nossos dias da contemporaneidade.

               Nessa resenha será privilegiado um reconhecimento geral da obra, tentando, em monta maior, fazer uma apresentação do texto de Laplatine. Essa forma aqui adotada se insere mais como um caminho entre os quadros que são apresentados nas três partes, quadros esses, que no livro, são melhor apresentados pelo antropólogo francês. Aprender Antropologia passa primeiro por um reconhecimento dos quadros que a antropologia nos fornece como ciência muito mais profunda e subjetiva. Assim como os quadros dos artistas nos instigam e provocam, a antropologia com suas tensões e rupturas também nos provoca e se apresenta como uma “chave para a compreensão do homem” (p. 09).

                Na Introdução e na primeira parte do livro, Laplatine apresenta o campo de trabalho, bem como os marcos históricos que construíram e perpassaram a antropologia. O texto apresenta a antropologia como o “estudo do homem inteiro” e o “estudo do homem em sua diversidade”. Dentro dessa perspectiva de esgotar a totalidade do homem surgem as áreas da antropologia biológica, antropologia pré-histórica, antropologia linguística, antropologia psicológica e a mais recente antropologia social e cultural. A outra demanda seria o estudo do homem em suas diversas matizes e configurações culturais e sociais, marcadas por uma diversidade sem tamanho que acaba em sincronia com a percepção culturalista e relativista, além de conceder (por meio da comparação e análise) uma possibilidade de relação estrutural e até mesmo funcionalista das diversas sociedades e grupos ao longo de toda a terra, e no perpassar da história humana como um todo.

                Laplatine é muito feliz em tentar subsidiar a discussão do “aprender antropologia” a partir de seus marcos históricos. É importante reconhecer que a antropologia não surge como disciplina organizada ou programada, mas de um empreendimento de busca e compreensão dos outros povos, que inicialmente eram povos além mar e estranhos que saltavam aos olhos do então mundo ocidental europeu. A antropologia clássica é marcada por um enorme interesse pelos povos tradicionais e autóctones que causam intenso estranhamento, sendo chamados de selvagem. Ao longo do amadurecimento desse empreendimento começam a surgir questões de valor que buscavam responder se existia o bom selvagem e o mal civilizado (Las Casas) ou se o civilizado era bom, sendo mal o selvagem (Sepulvera). Outro elemento ou passo nesse processo de amadurecimento da antropologia foi o reconhecimento de que a etnografia, como método básico ou inerente, precisava ser organizada e sistematizada, o que se concretizou com Malinowski. Outro apontamento feito por Laplatine gira em torno do objeto da antropologia, que na sua fase clássica, eram os selvagens, ou primitivos, como pensava Durkheim (1977). A antropologia começa então a viver uma tensão em torno do objeto, que começa a desaparecer ou ser cada vez mais reduzido ou escasso ao longo da terra, forçando os antropólogos à busca por novos objetos e campos de trabalho que vão hoje desde o objeto clássico, até as manifestações urbanas, orais e de imagens.

                Esse amadurecimento da antropologia passa por um conjunto de negações, tensões e rupturas que discutem desde as percepções sobre o campo, objeto, método, recorte até sobre o uso da experiência pessoal do pesquisador e de sua neutralidade ou engajamento. Esse amadurecimento percorre todo o processo de diferenciações e aperfeiçoamentos que a disciplina sofreu internamente, o que levou à constituição das mais diversas escolas de pensamento antropológico.

                Aqui Laplatine exerce uma classificação das Escolas que é bastante convencionada, o que demonstra a existência de outras formas de organização. Ele optou por uma apresentação que segue uma linha histórica de construções, sucessões e convivência das diferentes escolas de pensamento antropológico. Laplatine também faz uma outra classificação, que se baseia nos três países mais eminentes na construção da discussão antropológica, que seria os EUA, com seu forte culturalismo, a Inglaterra com sua percepção funcionalista e a França, com antropólogos estruturalistas, como Lévi-Strauss, mas também sendo forte em uma percepção simbólica e representativa. Laplatine é muito feliz em pontuar as características dessas escolas (americana, inglesa/britânica e francesa) sem perder de vista o diálogo entre as mesmas, bem como procurou preservar e excitar as peculiaridades e tensões que marcaram a vida e obra dos autores e antropólogos mais representativos de cada Escola. No texto de Laplatine é possível perceber, por exemplo, as diferenças que Boas tem em relação ao funcionalismo de Durkheim. Ou como as percepções evolucionistas da escola americana leva em conta o quesito histórico de um povo, enquanto o inglês Radcliffe-Brown defende que “uma sociedade deve ser estudada em si, independentemente do seu passado” (p. 98). Outro exemplo seriam as percepções de Laplatine sobre como Marcel Maus em seu Ensaio sobre as Dádivas consegue ampliar o trabalho de Malinowski sobre os Trobriandeses, ou como se estabelece as diferenças entre o estruturalismo inglês e o estruturalismo francês, entre outros inúmeros exemplos desse diálogo promovido por Laplatine com esses grandes autores. O texto segue então pontuando as antropologias contemporâneas mais fortes, que sucederam o período clássico e aglutinaram conceitos oriundos da escola americana, inglesa e francesa, essas novas antropologias são: (I) Antropologia Simbólica, marcada pela criação de modelos, sentidos, e certa preocupação com o objeto e pela busca de indivíduos representativos de uma cultura, que sejam “sábios” em suas respostas; (II) Antropologia Social, grande mantenedora da forma funcionalista de interpretação social, marcada por uma ideia de sociologia comparada e normalizações; (III) Antropologia Cultural, essa que já é marcada pelo relativismo, culturalismo, coerência interna, essa que contrapõem natureza versos cultura, que traz à tona o conceito de “arco cultural” (p. 127) de Ruth Benedict e estabelece uma comunicação humana propriamente cultural; (IV) Antropologia Estruturalista tendo Lévi-Strauss como seu principal antropólogo, aqui surge o conceito de estruturas inconscientes, valorização da comparação entre as diversas culturas, totalidade, pluridisciplinaridade de Bateson, valorização do sistema sobre o sentido, valorização em si da cultura e busca pela lógica da cultura; (V) Antropologia Dinâmica, que ainda se define fazendo referência à Foucault, considera pressupostos à vista das relações de poder, levando em conta conceitos como aculturação, contatos culturais e choques culturais.

               Laplatine termina seu texto levando em consideração as rupturas e tensões que perpassaram a antropologia e que agora se configuram como aquilo que é a antropologia hoje, um empreendimento científico e humano que busca o conhecer sobre o outro e sobre si mesmo. Nesse empreendimento surgem várias dificuldades epistemológicas e metodológicas que se materializam nas seguintes discussões: (I) É o observador neutro em sua atividade etnográfica, etnológica e antropológica? Ou são a parcialidade e a experiência pessoal, elementos que devem fazer parte do trabalho? (II) É válido ou pelo menos possível estudar a totalidade de uma cultura? É possível levar tudo em conta? Ou o estudo do infinitamente pequeno e do cotidiano também são pontos à discussão? Como fica a pluridisciplinaridade? Onde fica o estudo da totalidade dentro do particular, dento do grupo? (III) Como estabelecer uma análise comparativa sem prejuízos dos objetos ou mutilação dos mesmos? (IV) Questões sobre as condições de produção social do discurso antropológico? Como o observador se vê como parte integrante do objeto? Discussões sobre a observação participante e de como a antropologia tem tido seu método utilizado por várias outras ciências? Que causas justificariam uma busca geral pela etnografia? Seria a busca pelo denso, pelo particular, pela proximidade, por dentro, uma nova tendência das ciências, ecoando princípios da antropologia (MAGNANI, 2002)? (V) Questões como o concreto e o abstrato, a superficialidade e a profundidade da pesquisa e do reconhecimento sobre o objeto, questões sobre o uso da literatura e as diferenças da narrativa literária e das narrativas etnográficas? São todas questões que perfazem os últimos apontamentos de Laplatine e que mostram que

“A aposta da antropologia é precisamente a de viver esse movimento ininterrupto. Não pretendo pessoalmente tê-lo conseguido profissionalmente. […] A fixação sobre um polo em detrimento de outro, a rejeição dessas tensões que constituem contradições estimuladoras, as soluções de meio-termo e de compromisso [que] levam inelutavelmente a acabar com a especificidade da nossa disciplina – que ocupa um lugar todo particular nas ciências humanas – e a todas as espécies de desvios ideológicos. Demonstram a recusa ou a impossibilidade de enfrentar as dificuldades (que são também chances a ser aproveitadas e exploradas) inerentes à práticas da antropologia” (grifo nosso, p. 199).

               Laplatine tem sua tarefa de introdução ao aprender da antropologia que é qualificada pelo seu texto leve, fácil e reflexivo. Ele parece estar ao longo de seu texto dialogando com seus interlocutores de uma forma instrutiva, paciente, colocando-se como um guia ou tutor daqueles que empreendem na antropologia, isso se evidencia pelo uso da primeira pessoa do singular e do plural e pela continuidade não orgânica de seu raciocínio. Cabe, não obstante, uma ressalva ao texto de Laplatine, que seria a ausência de regras para apresentação das citações, referências e outras particularidades que ficam somente na organização gráfica e metodológica do texto em si, além de algumas frases truncadas e de outras que carecem de advérbios e elementos de ligação textual; excetuando esses únicos detalhes, o livro é muito bem recomendado para aqueles que desejam Aprender Antropologia.

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REFERÊNCIAS

DURKHEIM, Émile. A divisão do trabalho social. 2. ed. Lisboa: Editorial Presença, 1977. v. I.

MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 17, p. 11-29. 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092002000200002&nrm=iso>.

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COMO CITAR ESTE TEXTO:

SANTOS, Harlon. Resenha do livro: “Aprender Antropologia”. [S.l]: Blog Observare, 2013. Disponível em: < http://wp.me/pFciT-5P >. Acesso em: dia mês abreviado. ano.

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