A lógica das ciências sociais para Karl Popper

         Karl Raimund Popper (1902-1994) é uma das referências no estudo das ciências e em Teoria do Conhecimento, considerado um dos epistemólogos mais influentes na contemporaneidade. Popper, como vai mostrar Varmireh Chacon[1] tem uma forte influência da escola germânica de percepção ideográfica da realidade humana, recebeu influência da Verstehen ou ciências humanistas interpretativas-contextualizadas (RINGER, 2004), que na Alemanha teve Max Weber como um dos seus grandes propulsores, e fazia parte do grupo de concepção anti-hegeliana. Karl Popper configura-se como um racionalista moderno, mas que consegue apresentar um processo histórico para a formação da ciência e dos paradigmas científicos, apresentando a agência do indivíduo[2] nesse processo, se afastando do ideal de objetividade pura.

         Neste texto Popper (1978) vai delinear algumas teses importantes que refletem seu pensamento como um todo, mas que aqui é aplicado e refinado às ciências sociais. É importante notar que Popper vai fazer parte da corrente de pensamento que busca construir uma metodologia única e especial para as ciências sociais, afastando-se da ideia de que as ciências sociais deveriam se apropriar das ciências naturais e biológicas, como empreendeu Durkheim. Tanto Bourdieu (2007) como Boaventura (2001) também vão defender essa percepção apresentada por Popper de que as ciências sociais possuem problemas e objetos diferentes daqueles estudados pelas ciências naturais e por isso, a necessidade de um método que dê melhores respostas à complexidade da vida humana e das relações sociais.

         Popper vai desenvolver uma importante percepção de que o conhecimento científico não surge sem uma motivação, começo que se dá na forma de um problema. Para Popper (1978, p. 14) “o conhecimento começa na tensão entre conhecimento e ignorância” e que “não há nenhum problema sem conhecimento”. Ele ainda vai afirmar que:

“Então, o ponto de partida é sempre um problema e a observação torna-se algo como um ponto de partida somente se revelar um problema; ou em outras palavras, se nos surpreende, se nos mostra que algo não está, apropriadamente, em ordem com nossas teorias. Uma observação cria um problema somente se ela se conflita com certas expectativas nossas, conscientes ou inconscientes.” (POPPER, 1978, p. 15).

          Essa concepção de que ciência não surge do nada, mas de que é fruto da intenção e busca por uma resolução de problemas, abre possibilidades para a compreensão de que é ligeiramente válida a ideia de que as respostas para esses problemas podem ser variadas, e que por isso haverá um processo de refutação ou falseamento. Para Popper as soluções (teorias científicas) são múltiplas e elas perpassam entre si por um processo de disputa. Ocorre um processo de refutação das teorias, ou de parte delas, e assim essas afirmações vão sendo moldadas, aperfeiçoadas, ganhando novas formas e também novas legitimidades; mas também pode ser reafirmadas ou mesmo abandonadas como um todo. A ciência é antes de tudo uma tentativa, que pode ser refutada criticamente, construindo assim uma nova resposta, ou tentativa. Para Popper as soluções (teorias científicas e conhecimentos científicos) são temporárias e que a “tensão entre conhecimentos e ignorância conduz a problemas e a soluções experimentais. Contudo, a tensão não é nunca superada, pois revela que nosso conhecimento sempre consiste, meramente, de sugestões para soluções experimentais” (POPPER, 1978, p. 16).

          Pooper vai demonstrar também a impossibilidade da neutralidade pura, ou objetividade ideal. Para ele a ciência está imersa no mundo humano, e que a simples postura da crítica, já revela que a objetividade pura não passa de uma tradição construída a partir das ciências naturais. Sobre as ciências sociais Popper vai mostrar que falta “o aspecto social da objetividade científica e sua teoria” e que é um “erro admitir que a objetividade de uma ciência dependa da objetividade do cientista” (POPPER, 1978, p. 21-22). Popper vai demonstrar a pluralidade de discursos e apresentar o estado de competição na qual estão envolvidos, tentando sempre se reafirmar e se colocar como paradigma dominante.

         Outro ponto defendido por Popper é a ideia de dedução para a crítica. Para o filósofo a principal função da dedução não é construir conhecimento a partir de premissas verdadeiras, mas criticar as conclusões. Ele vai desenvolver conceitos como de transmissão de verdade, retransmissão de verdade e de falsidade. Tais conceitos revelam a importância que Karl Popper vai dar ao processo e às influências que os processos construtivos e históricos tem sobre a produção do conhecimento, mesmo dentro de uma lógica dedutiva. Para Popper existem explicações ou mesmo explicações causais, tentativas essas que podem ou não serem conclusões aceitáveis, onde o processo de crítica racional ocorre justamente quando as conclusões são desafiadas pela lógica. É nesse ensejo que Popper vai defender o conceito de aproximação da verdade e do poder explicativo que cada tentativa, teoria ou explicação tem. Para ele o processo de refutação possibilita uma aproximação da verdade e o poder explicativo vai demonstrar o quanto determinada tentativa vai ser capaz de dar conta da realidade observada, mais especificamente a realidade humana.

         Popper vai conseguir delinear um pensamento reflexivo e crítico sobre o processo de construção do conhecimento, que para ele, acontece a partir da refutação, de forma não-neutra, porém dedutivo, um processo marcado por disputas, por tentativas dispostas à crítica. Ele também argumenta por um uso da racionalidade e da lógica não como discursos finais, mas como instrumentos para a crítica e refinamento. Popper vai afirmar que “não sabemos nada; isto é, que não podemos nunca justificar nossas teorias, racionalmente […] embora, não possamos justificar nossas teorias racionalmente e não possamos, nem mesmo, provar que são prováveis, podemos criticá-las racionalmente. E podemos, constantemente, distingui-las de teorias piores.” (POPPER, 1978, p. 34), indicando um processo desejado de contínuo crescimento e aperfeiçoamento científico.

          Dessa forma Karl Popper inaugura uma nova concepção sobre o fazer ciências e vai situar-se como um epistemólogo moderno-contemporâneo de um pensamento fecundo e frutífero para as discussões epistemológicas atuais e também para a afirmação de uma percepção apropriada e singular para as ciências sociais.


Notas

[1] Chacon faz o prefácio do livro “A Lógica das ciências sociais” de Karl Popper.

[2] Nesse caso específico, o indivíduo cientista.


Referências

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 12. ed. Porto: Edições afrontamentos, 2001.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 11 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. Capítulo 2.

POPPER, Karl. A lógica das ciências sociais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978.

FRITZ, Ringer. A metodologia de Max Weber: unificação das ciências culturais e sociais. São Paulo: EdUSP, 2004.


Como citar este texto:

SANTOS, Harlon Romariz Rabelo. A lógica das ciências sociais para Karl Popper. Blog Observare, 2014. Disponível em: https://observare.slg.br/a-logica-das-ciencias-sociais-para-karl-popper/. Acesso em: dia mês abreviado. ano.

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