Invisíveis – IV

por Edmilson Rodrigues

Eis a  imagem  completa. Sob ela, a seguinte legenda: “Praça da República  –  tirada do  nascente”.  A  criança  de pés  descalços  não  está sozinha.  Faz  parte  de  um p e q u e n o   g r u p o   d e  vendedores ambulantes que por  ali  trabalhavam. Sua p r e s e n ç a   i l u s t r a   uma  paisagem  mais  ampla,  grandiosa:   a  Praça  da Repúbl ica,  recentemente urbanizada,   com  seus monumentos  imponentes, tendo  ao  fundo  o  Teatro  da Paz, símbolo maior do fausto da Borracha.

harlon.romariz@advir.com

Essa foto, cujo autor desconheço, faz parte de um rico Álbum de Belém, apresentado pelo Intendente Antônio  Lemos  à  Câmara  Municipal,  em  1906.  São  dezenas  de  fotografias, artisticamente  trabalhadas,  cuja  impressão  esteve  a  cargo  de Philippe Renouard,  rue  de Saint-Peres, 19, Paris. Nosso personagem viveu numa cidade  rica, a 4a maior do país naquele período. A  riqueza da Belle-Époque está por  toda parte,  inclusive no chão da praça que esses pés, descalços, pisam. A riqueza e a opulência daqueles dias da era de ouro da borracha estavam erguidas bem ali, em palácios de mármore importada da Europa. Mas, esses pés, repito, viveram e morreram sem  jamais entrar nesses colossos que, não obstante, estavam  tão perto e, ao mesmo  tempo,  tão  inacessíveis.

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Não sabemos nenhum detalhe acerca desse habitante de Belém. Ele passou pela história invisível,  sem  face,  sem  identidade própria, porque o que  interessou aos de  cima  foi  tão somente sua energia para  trabalhar, o seu suor derramado de sol a sol a  troco de quase nada. Um ser sem história, eis um sonho acalentado pelas elites. Para os que não abandonaram a perspectiva da  transformação social, cabe a  tarefa de buscar redescobrir a identidade das classes trabalhadoras, refazendo a trajetória de sua luta ao longo dos séculos. Com sua face trazida à luz, os explorados poderão desempenhar seu verdadeiro papel de sujeitos da história.

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