por Edmilson Rodrigues
Eis a imagem completa. Sob ela, a seguinte legenda: “Praça da República – tirada do nascente”. A criança de pés descalços não está sozinha. Faz parte de um p e q u e n o g r u p o d e vendedores ambulantes que por ali trabalhavam. Sua p r e s e n ç a i l u s t r a uma paisagem mais ampla, grandiosa: a Praça da Repúbl ica, recentemente urbanizada, com seus monumentos imponentes, tendo ao fundo o Teatro da Paz, símbolo maior do fausto da Borracha.
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Essa foto, cujo autor desconheço, faz parte de um rico Álbum de Belém, apresentado pelo Intendente Antônio Lemos à Câmara Municipal, em 1906. São dezenas de fotografias, artisticamente trabalhadas, cuja impressão esteve a cargo de Philippe Renouard, rue de Saint-Peres, 19, Paris. Nosso personagem viveu numa cidade rica, a 4a maior do país naquele período. A riqueza da Belle-Époque está por toda parte, inclusive no chão da praça que esses pés, descalços, pisam. A riqueza e a opulência daqueles dias da era de ouro da borracha estavam erguidas bem ali, em palácios de mármore importada da Europa. Mas, esses pés, repito, viveram e morreram sem jamais entrar nesses colossos que, não obstante, estavam tão perto e, ao mesmo tempo, tão inacessíveis.
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Não sabemos nenhum detalhe acerca desse habitante de Belém. Ele passou pela história invisível, sem face, sem identidade própria, porque o que interessou aos de cima foi tão somente sua energia para trabalhar, o seu suor derramado de sol a sol a troco de quase nada. Um ser sem história, eis um sonho acalentado pelas elites. Para os que não abandonaram a perspectiva da transformação social, cabe a tarefa de buscar redescobrir a identidade das classes trabalhadoras, refazendo a trajetória de sua luta ao longo dos séculos. Com sua face trazida à luz, os explorados poderão desempenhar seu verdadeiro papel de sujeitos da história.