por Harlon Romariz
BIASOLI-ALVES, Z. M. M. Cuidado e negligência na educação da criança na família. In: MOREIRA, Lúcia Vaz de Campos; CARVALHO, Ana M. A. (Org.). Família e educação. São Paulo: Paulinas, 2008. p. 18-32.
O conceito de infância além de aparecer tardiamente na evolução da humanidade, ainda passou por mudanças substanciais ao longo da história.
A forma como as famílias entenderam o cuidado e a educação das crianças ao longo do século XX e as formas de enfrentamento no atendimento das necessidades desses jovens é brevemente apresentado nesse relatório de algumas pesquisas. Diante dos resultados temos que a 1) autoridade dos adultos passou de extremamente valorizada a criticada e abandonada, sobretudo nas famílias de classe média; 2) a consistência das regras e normas caminha gradativamente para a ausência de constância no que é permitido e interdito; 3) a valorização da autonomia e bem-estar da criança vem aumentando. Essas mudanças despertam necessidades de se conhecer a realidade, as dificuldades e os recursos de que as famílias dispõem para se poder pensar em projetos que venham a promover o seu desenvolvimento e de seus membros.
As diferentes áreas do conhecimento mostram que são muitos os âmbitos de análise da família, isso se dá também pelo fato da mesma possuir características que se distinguem de qualquer outra instituição social o que também dificulta na construção de um conceito único de família. A família é o meio pelo qual as gerações mais velhas passam ao futuro sua cultura, hábitos, valores e padrões, e pela qual a sociedade evolui e adquiri novas formas por meio da interação das gerações.
Ao longo da história o conceito de ideal da criança mudou muito, bem como a função da infância. A noção presente de que a infância é um período especial da vida, que determina de certa forma como será o indivíduo adulto começou a surgir já no Renascimento, mas adquiriu algumas formas particulares influenciadas pelo pensamento sobre o humano nas diversas épocas. Acredita-se que ao longo do tempo sucederam-se diversas moralidades, cada qual priorizando certos valores, recusando ou aprovando formas mais ou menos extremas de se lidar com a afetividade, a concessão de liberdade/autonomia à criança, a consistência das práticas, a autoridade dos adultos em relação aos filhos e a busca de orientação. Entre os séculos XVIII e XIX tivemos as seguintes moralidades: a) religiosa, busca pela salvação da criança, valorização da obediência, limites estreitos e respeito as normas religiosas de conduta; b) higienista[1], busca pela sobrevivência e corpo sadio, existência de treinamentos intensivos para que a criança venha ser auto-disciplinada, busca pela alma pura; c) das necessidades naturais, tudo que é natural é bom, a criança é vista como capaz de se auto-determinar, “inteligente e de personalidade”, tolerância acentuada quanto às inadequações de comportamento; d) individualista e de curtição, criança como objeto de afeto, liberdade preconizada, abordagens psicológicas; e) moralidade mista, preocupada com o desenvolvimento (afetivo, social, emocional) saudável, liberdade, auto-realização e felicidade. Todas essas transformações não foram lineares nem se fizeram sem tropeços.
Na família brasileira bem como no processo de educação houve mudanças ao longo do século XX. a) cotidiano início do século XX: pouca diferença de idade entre filhos, convivência estreita e frequente entre as diversas gerações; espaço amplo; brincadeiras e atividades na classe média e trabalho com os adultos quando nas classes populares; certa distância entre o mundo; extremo respeito aos mais velhos; parcimônia no vestir e no alimentar; valores morais cultivados; educação voltada para o trabalho. b) cotidiano e atividades com as crianças de 1930 a 1980: as famílias, em especial da classe média, foram diminuindo em números de filhos; espaço físico limitado, pouca possibilidade de deslocamento natural na cidade; em 1930/1940 as famílias saíam em bloco para as atividades, em 1970 tem início o estabelecimento da divisão, cada um tem seu grupo e sai para fazer o que gosta. c) o caminho traçado pelos valores de 1930 a 1980: a mãe deve ser carinhosa e ter autoridade de controle; as famílias são grandes e um cuida do outro; a preocupação com a criança se faz quanto sua alimentação, emotividade, saúde e roupa; o adulto zela pela criança; o adulto procura aos poucos corrigir sem bater, questionamento da rigidez; preocupação de preparar a criança a “vir a ser”, escola cada vez mais cedo; mudanças do papel da mulher no lar; a autoridade dos adultos esmaece pouco a pouco; menos relacionamento profundo e surgimento de estados emotivos exacerbados; menor exigência, menor consistência das regras e normas até então absolutas; liberalização, inclusive na subjetividade; preocupação com o certo e o errado na educação e busca por marcos científico e por profissionais das áreas educacionais, psicológicas e sociais, diminuição do relacionamento pai-criança e busca por atividades que preencham o tempo.
Diversas mudanças se registram ao longo da história das gerações, e, mais difícil é julgar o que seria um processo ideal de infância. Para os mais novos a educação e tratamento que receberam foram rígidos, mas valorizam o nível médio de cuidado e afetividade que receberão e reconhecem que o ideal na educação das gerações futuras passa pela comunicação com os adultos e oferecimento de um conteúdo para pensarem os seus valores e código moral. A discussão sobre a negligência da educação das gerações mais novas envolve uma análise de todo o processo, tentando visualizar a real situação e as condições que as famílias dispõem, e analisar as formas alternativas de educação que as famílias lançam mão para poder cuidar de sua prole.
[1] Contexto das duas Grandes Guerras Mundiais e influência do movimento Médico-Higienista do final do séc. XIX.
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